Compartilhar o olhar

Lígia Fascioni



Diz o dicionário que compartilhar é tomar parte, participar, compartir, aquinhoar, distribuir.


Eu acho que compartilhar é muito mais legal que dar. Dar não exige participação ou envolvimento, você simplesmente pega uma coisa que é sua (objetos, dinheiro) e passa para frente, sentindo-se com isso muito nobre e generoso.


No compartilhamento você não dá, simplesmente deixa que os outros também desfrutem do que você tem sem que seja preciso abrir mão de nada. É fácil, interessante e reconfortante compartilhar idéias, opiniões, olhares e experiências. Você não fica mais pobre quando divide o que viveu com muitas pessoas. Pelo contrário, todo mundo que entra na brincadeira sai muito melhor do que entrou e, fenômeno das ações nesse planeta, ninguém sai perdendo. É como colocar um presente na roda, para todo mundo usufruir.


Lembro bem de um texto do Eduardo Galeano, que conta a experiência de um menino que vai ver o mar com o pai pela primeira vez. Diante daquela imensidão, o menino agarra a mão do pai e diz: — Pai, é muito grande! Me ajuda a ver


Compartilhar, para mim, é isso. Pedir ajuda para ver, pedir companhia para viver.


Compartilhar o que aprendeu é um dos atos mais generosos do ser humano, mas não desinteressado. Todo mundo sabe que ao ensinar se aprende muito mais do que ao concentrar o conhecimento. E hoje a gente tem a Internet que permite compartilhar os nossos saberes e olhares com um monte de pessoas em vários lugares, o que é muito gratificante.


Quando a gente está feliz e compartilha, quem está junto fica feliz também. Quando se está angustiado e compartilha, é como se o peso sobre os ombros diminuísse um pouco. Quando você aprende uma coisa, mesmo que seja uma simples palavra nova, e compartilha, todo mundo aprende junto.


Mas para compartilhar é preciso se expor. E mais difícil, é preciso sensibilidade para saber o que, quando e com quem compartilhar. Para mim, esse é um aprendizado para toda uma vida e vivo errando. Não faz mal. Sigo exibida…


Viajar de moto é uma experiência única e extraordinária. É grande, e como o menino do Galeano, queria a ajuda de vocês para vivê-la. Compartilhemos então!







Pilotar ou contemplar

Lígia Fascioni



No carnaval de 2006, tive uma experiência diferente. Viajei de moto pilotando pela primeira vez. Não fui muito longe, apenas de Florianópolis até Urubici, na serra catarinense, mas já deu para sentir e aprender muita coisa.


Fui com o Conrado e mais um amigo, e escolhemos estradas vicinais não asfaltadas, onde tinha menos movimento. Começamos a viagem de 250 km por São Pedro de Alcântara, uma cidadezinha encantadora que todo mundo devia visitar um dia. De lá, por uma estrada pouco frequentada e muito acidentada, seguimos a Angelina, outra pérola. Cruzamos a rodovia depois de Rancho Queimado e seguimos pelo interior, por Anitápolis e Santa Rosa de Lima, rumo à Serra do Corvo Branco.


Para uma ex-garupa como eu, tudo era emoção. Buracos, pedras soltas, poeira, outros carros na estrada. Tive que parar uma vez para um carro passar, e, sem apoio no terreno irregular, acabei deixando a moto cair, nada demais. Seguimos por uma estrada em obras que mais parecia uma trilha. Voltei aos meus tempos de criança, quando andava desembestada com uma bicicleta velha de freio ruim. A percepção era igual, meus dez anos estavam ali. Eu era de novo uma moleca destemida e empolgada. 


Ia conjecturando sobre essa volta no tempo quando dei de cara com uma pirambeira radical coberta de areia solta. Se para bicicleta isso já seria uma temeridade, imagina então para uma moto engrenada na terceira marcha. Sabia que não podia frear, então tentei reduzir e a roda travou: lá fui eu estatelada, de cara no chão. O amigo que vinha atrás quase morreu do coração tentando desviar, mas a descida era tão íngreme que ele só conseguiu parar quase 1 km depois. 


Pára o tempo. Levanto para ver se estou inteira. É incrível, aparentemente só tenho arranhões nas pontas dos dedos, pois estava andando com luvas sem dedos por causa do calor. Aquela jaqueta pesada e cheia de partes duras e reforços, quente e pesada, que o Conrado insistiu tanto que eu usasse, mostrou a que veio. A botina dura e desconfortável também. O capacete, então, nem, se fala. E a primeira constatação foi essa: medo se resolve com proteção. Numa estrada de terra, ninguém cai a mais de 30 km/h. Se você está vestido como deve, não há o que temer. Segunda constatação: nossa, como essas máquinas são resistentes. Quebrou a capa do pisca-pisca (a lâmpada ficou inteira) e a carenagem ficou com uns arranhões (a moto se arranhou mais que eu), mas bastou levantá-la, arrumar os espelhos e sair andando. Impressionante.


Ainda tinha mais chão, e a serra do Corvo Branco. Quem já foi lá pode imaginar quão difícil foi fazer aquelas curvas fechadas e íngremes de moto, depois de 8 horas na estrada. Quem não foi ainda, devia ir. Está perdendo.


Chegamos a Urubici já era noite fechada. Foi um dos jantares mais gostosos que eu comi, apesar de não me lembrar direito do cardápio. Nada como chegar em casa suja, arranhada, com dores difusas, manchas roxas variadas e encontrar um banho maravilhoso, uma comida quente e uma cama dos sonhos. Exatamente como quando eu tinha 10 anos. Uma moto é, na verdade, uma máquina do tempo disfarçada.


A volta foi pelo asfalto, outra descida cheia de curvas fechadas, igualmente emocionantes. Mas sou cuidadosa e aprendi a lição. Para baixo, se você está de moto, todo santo atrapalha…


Fiquei pensando: já fiz trechos desse caminho como garupa, e lembro que a paisagem era linda. Dessa vez, só vi estrada. Interessante: ou você tem o controle, ou desfruta a paisagem. Quem sabe, com o tempo, eu possa adquirir um equilíbrio maior. É bom ser garupa, mas é melhor ainda ser piloto.


Dessa vez eu perdi a paisagem. Mas ganhei anos de vida. Talvez a sabedoria da vida esteja em saber quando pilotar e quando apenas contemplar.


 

Paso San Francisco, Argentina • janeiro 2007

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